Wednesday, March 21

Boletins da cidade dos rios sufocados 8

Eu também aprendi a colocar um sorriso sobre a agonia. Foi no momento em que decidi que o suicídio não era uma saída pra mim, pelo menos não ainda. Mas não consigo disfarçar no estômago. Agonia constante. Almocei, sentei num banco de praça pra fumar dois cigarros, continuar lendo meu livro. Um homem pediu fogo e se desculpou pelo incomodo de ter me abordado. That´s the modern times beibe, a cada passo tenho vontade de vomitar. Passo por um grupo de homens engravatados tão grandes que com a carne de cada um deles dava pra fazer uns 4 moleques papeleiros. Vai ver por isso tem menos ricos, porque eles precisam de muito mais espaço, com suas panças e seus spas para de tempos em tempos brincar de faminto. Passo por um grupo de homens engravatados grandes, intimidadores, que riem alto e falam de salmão. Na soleira da calçada, um resto de velha oferece kits de agulhas de costura. Me vejo enchendo as mãos com as agulhas da velha e as enterrando entre as pernas, nos escrotos dos homens grandes que comem salmão e suam cor de rosa.
Eu me vejo fazendo isso, mas eu não faço.
O que eu faço é ver isso. E provavelmente, pelo menos hoje, todos eles vão brochar. Uma satisfação como um doce roubado já que a criança não pode ter pernas.
Sorrisos e agonia, a mistura perfeita dos dias. Sorrir é a ordem em todos os estados, grupos e facções a saída das massas pra todo o sufocamento crescente tem sido brutalmente combater qualquer insatisfação. Pra isso o rock´n roll foi parar nas vitrines das lojas de departamentos, as religiões viraram universidades, os rituais negros tem cada vez mais luz branca artificial, sexo três vezes por semana com acompanhamento cronometrado médico.
Eu vejo todos os dias as mesmas paranóias de vinte anos atrás, com a diferença de que quanto mais a onda gigante avança, mais anestesiados e entediados de gritar estamos, então pacificamente sentamos nos nossos quintais e aguardamos que o que vem nos engula enquanto somos felizes, porque depois de toda a pressão sensacionalista, reclamar saiu de moda.
Calo minha boca cada vez mais. Todos os dias é como se mais um ponto invisível fosse dado selando meus lábios. Mas lá dentro, eu não deixo ninguém mexer. Dentro, meus quartos escuros gritam, escorrem, se contorcem, meu quartos escuros sonham atrocidades de revolta, os cantos dos meus quartos escuros inventam novas palavras pra não cansar das mesmas dores, as fechaduras dos meus quartos escuros se negam a tapar o buraquinho de espiar a realidade. Todas elas.
A gata tem derrubado toda a sua comida no chão. Penso em castiga-la, depois me lembro que não adianta muito ensinar nada pro futuro.
O futuro é o inferno dos erros passados.
And i dont even care about anything done to love
i just wanna someone to talk.
To walk
Caminho sozinha, pra que não haja culpados fáceis pro tombo.
Caminho sozinha porque é de solidão que a mente se faz.
Ontem tinha reunião de sindicato.
Aqui ainda dá polícia quando tem greve.
Aqui eu apanho se sair na rua de chinelo.
Hoje é dia de contracheque, amanhã conferir estoques.
Eu sou o rio, apodrecendo debaixo da pele. Mesmo morto, não pararei de correr.

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