Boletins da cidade dos rios sufocados 7
Aviões passam o tempo inteiro bem perto da janela da minha sala. Perto que dá pra sentir a vibração. Me lembrando que eu quero estar em todos os lugares. O que provavelmente significa qualquer lugar menos aqui, e qualquer lugar acaba virando aqui,
mas porra, dê-me meio motivo pelo qual ficar. Em qualquer lugar. Eu não vejo.
E os meus dias passam batido, grande parte entre quatro paredes creme,
eu repetirei as palavras sobre elas até que se cansem da existência e desapareçam.
No banheiro do escritório há uma pequena janela. Ontem, no final da tarde, fiquei lá, tentando capturar com as mãos a sombra amarela que o sol faz na parede pra avisar que vai morrer e fará falta. Eu odeio o sol e ele me faz falta.
Love and Rockets, ãahn, sem dúvida, eu adoraria viver lá, bem assim, tirando sangue de mordida, tirando sangue de pedrada. Porque o amor é só uma grande mastigação cardíaca.
Mas não tem mais isso, de sangrar. Falta fluxo e razão. E mesmo que sangrasse, seria algo restaurado em laboratório. Acho que descobri que a pergunta que carregamos até o fim é se somos muito inocentes ou muito perversos. Você pode tomar partido, mas bem lá no fundo não tem certeza de estar preparado pra nenhuma dessas escolhas. Ontem, no final da tarde, fugindo de enlouquecer rápido demais, desejando um cigarro que demoraria mais duas horas, escondida no banheiro do serviço, eu só queria que as latrinas ainda fedessem. Conceder normalidade ao que é normal. How normal is bizarre? Morrer de hemorragia uterina na porcaria do dia internacional da mulher? As datas nunca morrem, na verdade elas se sobrepõem cada vez mais, umas sobre as outras, gerando uma suruba de fracassados que merecem um dia por ano de deboche arrasador.
Até a 13ª instancia, eu sou uma pessoa, a moeda que mais tem perdido valor de mercado.
Quando eu era garota, vi um menino sendo estuprado, e só pude correr. Eu não conto isso pra ninguém. Alguém em mim fugiu aquele dia e nunca mais voltou.
Tudo o que eu quero é não precisar mais correr, ignorando o tamanho do monstro. Monstruar mais do que o medo.
Nossas moléculas compreendem a realidade melhor do que as nossas cabeças. O corpo vem pirando faz tempo. Sou só eu ou o realismo de hoje parece uma ficção científica ruim, e sem efeitos especiais salvadores, e sem redenção nem a ultima planta que guarda o amor.
Os olhos delatores dos malucos de rua que me contactam.
As mães obcecadas pelas tragédias infantis cada vez mais perversas;
Os edifícios enfermos engolindo cada vez mais inescrupulosamente as mulas;
A noite cada vez menos negra em cada vez mais lugares
Em todos os meus sonhos de apocalipse, a escuridão é bordô
As fibras de prazer e recalques e fetiches mórbidos de cada um de nós cada vez mais dissecados, fio a fio separados e engordados,
pra que nos distraiam o suficiente, para que nos sustentem, nos mantenham, já que não sobra mais muita idéia de futuro. Quanto tempo faz que não se escrevem histórias para daqui há duzentos anos? Movimentos artísticos enterrados são sintomáticos.
Hoje pela manhã, sábado, fui á feira sem ter dormido mais do que duas horas. Apesar dos dias cada vez mais quentes em todos os lugares, aqui, cedo pela manhã, ainda é bom o sol. Eu vou lá, e guardo no fundo dos meus olhos todas as cores e formas dessas coisas vivas que ainda existem. Eu esfrego minhas mãos entre os maços de chás e temperos, alecrim e hortelã, desejo que haja olfato na memória celular.
Dormi a tarde inteira. Sonhei com um gato que apartir de um talho na barriga se transformava num cão. Eu sonhei que deveria conhecer uma mulher que me pareceu pouco confiável,
durante a tarde choveu, e por dois instantes sonhei algo macio e tranqüilo, que não consigo visualizar, talvez só umas cenas inseridas como medida de segurança
pra me alimentar. Não preciso disso. Ou sim? Alguns dias são mais difíceis do que outros, mas o fato é que quanto mais se cai, mais rápido se levanta. Como cicatrizes protetoras, como treinar a mola interna até que não mais desgaste, nem relaxe, moto perpétuo de existência. Principalmente pra quem como eu, ainda não decidiu sobre os próprios motivos de continuar, só a persistência salva. Não sei bem porque insisto, mas aproveito o jogo.
You cant get a suntan on the moon, but I wouldn´t mind a holiday there, continuo olhando, bem fundo para os dois lados dos olhos das pessoas.
Isso às vezes tem a sensação de que penetram em mim duas mãos unidas, como se rezassem, na altura do externo, entre as costelas, mergulhando, através da pele, separando a carne, e uma vez enfiadas lá dentro, se espalhassem, se misturassem em mim até desaparecer.
Mm.
A gata só tem existido depois da meia-noite.
Para completar o óbvio, as bandas velhas são as melhores.
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