Thursday, February 1

boletins da cidade dos rios sufocados 2


Descobri que alguma coisa vai mal com a minha tireóide. A gata vai bem obrigada, no cio, que é quando ela fica manhosa e finge que não é mais agressiva. O dia amanheceu nublado, depois fez muito sol e calor, no final da tarde choveu muito, agora, como é madrugada, o céu é bordô. Aqui de madrugada o céu é sempre bordô. Às vezes eu penso que todo o recalque é uma tentativa frustrada de conter, comportar, tentar controlar toda a torrente de desejos e absurdos que ter sempre uma madrugada bordô causa no estômago daqui. E “quem és tus”?
Mas dá pra ver nos olhos das putas velhas nas praças.
Dá pra perceber nas coisas que você jamais faria em qualquer outro lugar do mundo.
A gente se lembra disso quando o sol bate na pele como se fosse o deserto.
E nos protegemos depressa lembrando que aqui é a cidade da chuva.
Eu vim pra cá pra ver chover.
Nas últimas semanas os jornais da cidade vieram com mensagens “revolucionárias retro-futuristas”, como “o fim do mito da cidade do futuro” ou “turistas questionam as questões sociais da cidade”.
Está chegando, eu sei.
A cada lugar seu momento.
E cada pessoa é um lugar.
Se eu não estivesse tão interessada nos fogos de artifício, poderia parecer um corvo que sempre persegue o caos. Mas esta cidade de rios sufocados tem as melhores nuvens do mundo. Isso pra mim significa o suficiente, se é que vocês entendem de volatilidade.
Da janela da sala eu sempre vejo numa vitrine, uma manequim sem cabeça iluminado.
O que isso pode fazer em mim?
Todas as coisas me causam o tempo inteiro.
Eu vim do mesmo lugar que você que não presta atenção.
A diferença é que eu não conseguir desligar a chave. E depois de um tempo, parei de tentar.
Todo aquele que assiste o noticiário inteiro sem se sentir mal acredita estar imunizado.
Alguma coisa na minha tireóide não vai bem.
Só mais um desses efeitos de estar neste mundo agora.
Me preocupo com a mesma desatenção ordinariamente paranóica com que vejo o mundo despencar.
Sozinhos num quarto de hotel estranho somos todos tão iguais.

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