Monday, February 12

Boletins da cidade dos rios sufocados iv


A gata ronrona no meu colo, doce e possessiva, o que quer dizer que morde com força e alegria. Eu passei sete dias longe. E foi como se não tivesse; sair daqui ficou mais fraco do que era antes. As cidades pras quais retornei, onde apesar de tudo eu guardava a fantasia de pequenos cinco minutos de genuína e despretenciosa liberdade, mesmo que forçada, esses lugares, em poucos meses, também vão sendo sitiados. De dentro pra fora. Numa das cidades,meus amigos gays não saem mais de casa porque os skinheads voltaram a atacar, dessa vez sabendo menos ainda quem eles são e quem eles odeiam. Só uma questão de escorrer a revolta dos punhos na cara de alguém. Eles estão também na cidade dos rios sufocados e em santiago do chile. Na outra cidade em que eu estive quase fui presa, por causa de um puto baseadinho. E algum filha da puta que caminhando pelo parque, por falta do que fazer, nos denunciou. Eu já tinha me esquecido que isso podia acontecer lá. 3 viaturas, eles eram em 10, com muitas armas e nós éramos 3, a essa altura com um cigarro na mão. Isso é constitucional? Isso me dá alguma segurança? Depois da humilhação e da agressão, nos safamos. Mas eu percebi quem foi. E depois de muito tempo sem fazer isso, praguejei. Não faço muito porque eu sei o que acaba acontecendo quando brinco disso, e acho crueldade. Mas aquele desgraçado vai perder as bolas pros dentes do seu labrador. Às vezes, pra estar vivo, é preciso se vingar com o ódio de quem defende um ponto de vista que pode mudar o mundo. Vá cuidar da sua vida é um desses. No entanto, o que importa mesmo, é que cada vez mais, todos nós somos reconhecidos como inimigos. Cada vez mais “geni”, mais apontados, identificados, as placas dos nossos carros são anotadas quando paramos na beira da estrada pra olhar a porra da paisagem. Porque ninguém mais faz isso. Porque é muito estranho se conceder, relaxar, se derramar, existir com a carne e todos os desejos e marcas que esses tempos tem deixado.
O “sugerido” é a assepsia existencial.
Eu não posso dar colo pra gata enquanto escrevo isso, mesmo que ela não leia, finjo de proteger alguém do que eu sei. Justo ela, justo ela que é até capaz de me contar.
Nessa cidade em que quase fui presa, como no resto do estado, os policiais agora tem metas de revistas (e por suposto apreensões), você acha que falta muito pra oferecerem dinheiro pela cabeça que pensar?
É só um programa de produção em massa capitalista falido aplicado ao vigiar e punir, mas não me chame de óbvia. Óbvia é essa nossa impotência de quem sabe demais, e pra resistir, só nos sobrou existir.
Conseguir sobreviver e existir ao máximo.
Como uma personagem tão fatal que nem um russo de avó alemã seria capaz de criar, eu sei que nada mais pode ser mudado, revertido. Ainda assim o que me sobra é insistir nessa insurreição, nessa revolta de restar, estar aqui, o máximo possível. Me infiltrando, me quebrando e colando cacos, conspirando e mantendo a minha cota de inocência, mesmo que doa mais assim. Sabendo que o ar vai acabar, aproveitando cada tragada.
E na contra corrente de tudo, ficando mais forte.

Os rios estão correndo mais devagar no mundo inteiro.
Por isso que apartir de agora a chuva matará mais.

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